sábado, 17 de abril de 2010

Cidade


Cidade, rumor e vaivém sem paz das ruas,
Ó vida suja, hostil, inutilmente gasta,
Saber que existe o mar e as praias nuas,
Montanhas sem nome e planícies mais vastas
Que o mais vasto desejo,
E eu estou em ti fechada e apenas vejo
Os muros e as paredes, e não vejo
Nem o crescer do mar, nem o mudar das luas.

Saber que tomas em ti a minha vida
E que arrastas pela sombra das paredes
A minha alma que fora prometida
Às ondas brancas e às florestas verdes.

Sophia de Mello Breyner Andresen

Um comentário:

  1. De Sophia de Mello Breyner...mais um dos seus poemas...um dos meus preferidos!

    O poema me levará no tempo
    Quando eu já não for eu
    E passarei sozinha
    Entre as mãos de quem lê

    O poema alguém o dirá
    Às searas

    Sua passagem se confundirá
    Com o rumor do mar com o passar do vento

    O poema habitará
    O espaço mais concreto e mais atento

    No ar claro nas tardes transparentes
    Suas sílabas redondas

    (Ó antigas ó longas
    Eternas tardes lisas)

    Mesmo que eu morra o poema encontrará
    Uma praia onde quebrar as suas ondas

    E entre quatro paredes densas
    De funda e devorada solidão
    Alguém seu próprio ser confundirá
    Com o poema no tempo

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